Peço licença a você, leitora ou leitor deste breve desabafo filosófico, para fazer uma crítica construtiva, se é que realmente existe tal figura, a partir da releitura de uma recente tragédia anunciada.
Em setembro do ano passado, ficamos espantados com o incêndio que devastou os tesouros culturais do Museu Nacional, no Rio de Janeiro. Um misto de perplexidade com o vulto das perdas e a revolta com o descaso de tantos gestores públicos ao longo dos anos.
Milhares dos estimados 20 milhões de itens do acervo viraram fumaça e cinzas devido a uma singela sobrecarga em um aparelho de ar-condicionado, o que por si só demonstra o desleixo do ente público diante de um patrimônio cultural imenso.
Afinal, a perícia apontou que as gambiarras na instalação elétrica levaram ao incêndio, que a inexistência de sprinklers (chuveiros automáticos) e portas corta-fogo ajudaram o fogo a se alastrar e que o alarme de incêndio não estava em pleno funcionamento!
Na verdade, nem mesmo acharam placas que explicassem ao público visitante o que fazer em caso de incêndio e a localização das saídas de emergência. Por pura “sorte”, nenhuma pessoa teve sua vida dizimada pela incúria do ente público, pois o incêndio aconteceu em um período em que não havia nenhuma pessoa no prédio ou redondezas.
Dado o momento político e social do nosso país, sobraram críticas aos nossos governantes, que limaram ao longo do tempo o orçamento da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), responsável pela gestão de tão valioso tesouro cultural brasileiro.
Porém, uma das inúmeras falhas dos gestores da UFRJ ficou quase que subliminarmente escondida do grande público e não teve o destaque que deveria: os gestores não se preocuparam em contratar uma apólice de seguro como proteção do imóvel e seu conteúdo!
Esta apólice, definitivamente, não ajudaria na reposição do patrimônio cultural (a não ser que houvesse possibilidade de restauração das obras), mas minimizaria parte das perdas materiais (ex: reconstrução do prédio) e indenizaria eventuais famílias cujos entes fossem atingidos pelo incêndio.
Sem contar que uma vistoria profissional impetrada por uma seguradora antes da emissão da apólice exigiria a correção ou a colocação de itens obrigatórios de segurança contra incêndio, danos elétricos e roubo, o que muito provavelmente reduziria consideravelmente o risco do incêndio se alastrar de forma tão violenta.
E vocês sabem por que a crítica aos gestores públicos pela não contratação do seguro pouco teve ressonância junto aos jornalistas e a nós, leitores e ouvintes? Pelo mesmo motivo que faz com que de cada 100 veículos que circulam pelas ruas brasileiras, apenas 30 possuam um Seguro Auto para sua proteção financeira e de terceiros. Ou explique o fato de que menos de 25% da população brasileira possui um plano de saúde, mesmo com todos os problemas de atendimento do SUS.
Antes que você, caro leitor ou leitora, diga que esses produtos são caros, lembre-se que um dos problemas que “justificaram” a não contratação do seguro pelos gestores públicos do Museu Nacional foi, justamente, a falta de recursos. Opa, agora começamos a chegar ao ponto polêmico.
Sou da opinião que todos os brasileiros deveriam possuir, minimamente, um seguro de vida com cobertura de funeral, o que inclui a realização de serviços funerários a partir de um único telefonema. Sabe quanto custa uma proteção básica e fundamental como esta? SES-SEN-TA reais ao ano!
Sim, você não se enganou. Este preço é anual, independente da idade do segurado. E, além de cobrir até R$ 5 mil em despesas funerárias, ainda indeniza os familiares do segurado em outros R$ 5 mil. Uma indenização total de R$ 10 mil!
Façamos uma conta simples: a divisão dos R$ 10 mil acima relatados pelo preço do seguro (R$ 60). Na minha calculadora, o resultado foi de 166. Ou seja, uma pessoa precisaria guardar R$ 60 por 166 anos para juntar os R$ 10 mil de proteção que um seguro de vida simples como este oferece.
Convenhamos, um preço justíssimo.
E por que, então, poucos brasileiros possuem um produto como este? Na minha modesta opinião, por puro desconhecimento e entendimento desta excelente ferramenta de planejamento financeiro chamada seguro.
Seria realmente importante o brasileiro entender que o seguro é baseado em mutualismo: muitos pagam para que poucos usem a cada mês. Estes investimentos mensais são, em regra, irrisórios quando comparados ao tamanho da perda em caso de um infortúnio para o qual poucos teriam os recursos financeiros para absorver a perda sem prejudicar seu bolso; ou caixa, no caso das empresas.
Talvez, e friso bastante o talvez, os seguros de automóvel e de saúde sejam caros para o bolso do brasileiro da classe média ou da base da pirâmide social. Ainda assim, e dado o país em que vivemos, são produtos que todos gostariam de ter, não é mesmo?
Isto posto, direi apenas que uma família que teve algum caso grave de saúde entre os seus (exemplo dos mais doloridos: câncer) sabe o quanto um bom plano de saúde pode parecer “barato” com os custos que os tratamentos modernos exigem. Uso este exemplo mais dramático pois as perdas decorrentes de uma batida de carro ou o roubo do próprio são mais recorrentes. Porém, existem tantos outros seguros que não são caros e todos nós deveríamos e poderíamos ter, como o seguro de vida mencionado. O infeliz resultado deste desconhecimento: inúmeras pessoas, famílias e a sociedade como um todo acabam sofrendo consequências graves pela não contratação destas ferramentas de proteção. Como diria o filósofo, pagamos o preço do seguro para não ter que usá-lo. Outras tantas vezes, pagamos o preço por não termos contratado um seguro.
Um outro exemplo clássico deste desconhecimento é o seguro empresarial, que tem como cobertura básica a proteção contra incêndio, raio e explosão. Digite a palavra incêndio no Google e veja quantas casas, prédios, lojas, escritórios, consultórios e fábricas foram destruídos por algo tão triste.
Comecei estas linhas falando da nossa incredulidade diante da devastação do Museu Nacional, mas será que você, empresário, contrata esta importante ferramenta de proteção do seu negócio, dos seus colaboradores, dos seus vizinhos e dos seus clientes? Ou será que você decide economizar R$ 500 por ano, pois sua loja ou fábrica “nunca pegou fogo”?
Chega a ser triste perceber como o ente privado, igualmente, não protege o seu patrimônio e, pior, pode comprometer o patrimônio e/ou a vida de terceiros, até mesmo dos seus colaboradores, que trabalham com afinco para fazer a empresa crescer. Mas, não alonguemos a conversa para falar da proteção ao risco que outras coberturas essenciais deste produto, como as de danos elétricos, roubo, perda e pagamento de aluguel e responsabilidade civil, igualmente oferecem aos empresários e tantos outros stakeholders.
Por sinal, será que você, morador de um apartamento, também decide não investir R$ 150 por ano em um seguro residencial básico porque, afinal, quantas vezes ocorreu um vazamento que estragou o banheiro do seu vizinho de baixo? Nunca, não é? Quando o calo aperta nos sapatos dos outros, é tão mais fácil exigir responsabilidade e planejamento financeiro. Mas o descaso que percebemos e criticamos dos entes públicos com o patrimônio da sociedade é diariamente desmascarado nas decisões de outros tantos brasileiros na instância privada.
Passou da hora de nós, brasileiros, entendermos que temos responsabilidades bastante maiores do que usualmente pensamos. E que os poucos reais indevidamente economizados ao não investir em seguros acabam nos torturando por anos a fio quando um incidente acontece em nossas vidas.
Respondendo à pergunta inicial deste artigo: talvez o principal motivo da não contratação dos seguros é que nós ainda não entendemos que nosso atos, decisões e omissões afetam não apenas a nós, como indivíduos, mas também afetam a nossa família, vizinhos, clientes, fornecedores, amigos, colaboradores, concorrentes, enfim, a sociedade como um todo. Como consequência, deixamos de aproveitar as proteções oferecidas por vários seguros, como os de vida, residencial, empresarial, riscos de engenharia, responsabilidade civil profissional, transporte, saúde e odonto, riscos cibernéticos, educacional, agronegócios, viagem…
Nossas crenças pueris de que sabemos tudo, somos “espertos” e não precisamos de nenhuma proteção adicional, impedem que ouçamos, com mais atenção, profissionais tecnicamente capacitados, que podem nos auxiliar a entender, compreender e contratar estes importantes produtos. No fim do dia, eles nos ajudariam a manter, proteger ou recuperar patrimônios importantes de todos nós, brasileiros.
O ente público nada mais é do que um retrato do que fazemos em nossas vidas privadas, meu caro Watson. O descaso com o patrimônio do lado de lá é o mesmo descaso praticado do lado de cá.