Embora o cenário seja incerto e a retomada da rotina conhecida antes da pandemia ainda não passe de um mero ensaio em plano mental, já é possível especular a respeito de como serão travadas as relações sociais e econômicas após o relaxamento das quarentenas determinadas em âmbito municipal e estadual em todo o Brasil. Nesse exercício imaginativo, é certo que uma das atividades mais impactadas por aquilo que se convencionou chamar de “o novo normal” será a atividade educacional. Não somente porque essa atividade produz, naturalmente, pequenas “aglomerações” de pessoas em ambientes fechados, mas também por conta do seu potencial “distributivo” em termos de contágio, muito se discute a respeito da limitação de estudantes por sala de aula, adoção de medidas de segurança sanitária, bem como implementação de outras ações no sentido de adequar a atividade educacional ao esperado “novos tempos”.
É claro que, quando se discute como se darão as atividades educacionais num cenário pós-quarentena, se é induzido a pensar nas escolas e universidades, isto é, nas instituições que se encontram inseridas naquilo que se conhece por “ensino regulado” (educação básica e superior). No entanto, há um ramo específico da atividade educacional, situada fora desse ambiente, mas que será igualmente impactado por esses “novos tempos”. Fala-se, aqui, das franquias educacionais, nos seus mais diferentes ramos, como idiomas, informática, cursos profissionalizantes, entre outros. As franquias educacionais possuem, no mais das vezes, as mesmas características e, por isso, os mesmos desafios que as instituições de ensino regular vislumbram num cenário pós-quarentena.
Se é verdade, então, que a atividade educacional no âmbito das franquias dessa natureza será, de algum modo, alterada, é igualmente certo que os contratos que regulam a exploração dessa atividade serão naturalmente afetados. Contratos, basicamente, estabelecem promessas para o futuro; regulam, com as limitações naturais, os comportamentos das partes relativamente àquilo que, direta ou indiretamente, interessa a atividade que constitui o projeto contratual – e as consequências do agir em desacordo com este projeto. É evidente, então, que, se mudanças ocorrerão na forma de se explorar uma franquia educacional, a estrutura pensada, contratualmente, para regular os comportamentos inseridos nessa exploração terá que ser, naturalmente, alterada.
Em essência, uma franquia reúne, de forma conectada e indissociável, a exploração, de um lado, de uma marca e outros direitos de propriedade intelectual e, de outro, a distribuição de produtos ou a prestação de serviços. Nesse pacote, insere-se ainda a transmissão de know how. Presentes esses elementos, um contrato de franquia estará caracterizado, na forma do que dispõe o art. 1º, da Lei nº 13.966/2019. Por conta desses elementos mais estruturantes, várias camadas “de suporte” são criadas, em termos obrigacionais, para viabilizá-los e suportá-los. Alguns deles constam relacionados no art. 2º, da Lei nº 13.966/2019 e devem ser previamente informados ao franqueado, por meio de um documento intitulado “Circular de Oferta de Franquia” (COF).
Nessa linha, obrigações quanto à obediência de padrões arquitetônicos contratados antes da atual pandemia certamente serão alterados no pós-crise – as diretivas de distanciamento mínimo e contenção de concentração de pessoas dentro de sala de aula e nos ambientes de convivência afetarão diretamente os modelos e padrões fixados inicialmente. E, por isso, os contratos de franquia já pactuados deverão ser necessariamente alterados, de modo a contemplar a nova situação. O mesmo se diga, por outro lado, para as novas contratações, especificamente, no que diz respeito ao conteúdo da COF – os padrões arquitetônicos desejados pelo franqueador para a unidade franqueada devem constar, obrigatoriamente, deste documento (art. 2º, XIII, “h”, da Lei nº 13.966/2019), assim como o investimento inicial para a colocação da unidade em funcionamento (art. 2º, VIII, “a”, da Lei nº 13.966/2019), o qual será igualmente contaminado pelos “novos tempos”.
Algumas posturas do franqueador em termos de assessoria ao franqueado também serão igualmente afetadas. Um exemplo serão os treinamentos para capacitação dos profissionais contratados pelo franqueado (art. 2º, XIII, “e”, da Lei nº 13.966/2019). O conteúdo dos treinamentos, evidentemente, passará a contemplar, além dos comportamentos, métodos e outras diretivas imaginadas pelo franqueador, cuidados e precauções de natureza sanitária – com possível impacto, a depender do caso, no próprio valor praticado pelo franqueador para fins de custeio desse treinamento. Os manuais de franquia (art. 2º, XIII, “f”, da Lei nº 13.966/2019), obviamente, seguirão o mesmo caminho, assim como a assessoria oferecida pelo franqueador para fins de escolha do local onde será instalada a unidade franqueada (art. 2º, XIII, “g”, da Lei nº 13.966/2019).
Outro ponto que certamente exigirá alguma adequação dos contratos de franquia educacionais será a questão da exclusividade territorial e de outras regras referentes à atuação do franqueado em outras regiões (art. 2º, XI, da Lei nº 13.966/2019). E isso porque, definitiva ou temporariamente, as restrições pós-pandemia certamente colocarão as franquias, pelo menos em parte, na trilha dos modelos de ensino não presencial ou à distância, alterando completamente o alcance do serviço educacional – ao menos em comparação com aquilo que fora inicialmente pactuado entre as partes e que, inclusive, é pressuposto para a estruturação econômico-financeira de cada operação franqueada. A propósito disso, a utilização dessas novas ferramentas não só poderá exigir, como já mencionado, uma incrementação dos treinamentos aos profissionais da franquia, como também um alargamento dos direitos de propriedade intelectual que serão licenciados aos franqueados – o conteúdo das transmissões está sujeito à propriedade intelectual.
Não há dúvidas, assim, que os “novos tempos” que se seguirão à pandemia de COVID-19 alterarão profundamente as formas conhecidas de interação social e de exploração de atividades econômicas. A atividade educacional e, sobretudo, aquela desempenhada sob o regime de franquia empresarial será, certamente, uma das que necessitará se adequar a esse novo contexto. E, nesse sentido, o primeiro passo será a repactuação de antigos compromissos, grande parte deles assumidos a partir da experiência e da vivência em outro cenário, além, é claro, dos prospectos direcionados ao mercado e que apresentavam, até ontem, um modelo de franquia educacional não compatível com as limitações e desafios que se avizinham.
* Luis Felipe Dalmedico Silveira, advogado especialista da área contratual e sócio do escritório Finocchio & Ustra.