A implementação de novos modelos de franquia: convite ao abuso da dependência econômica

Na contramão da economia brasileira, segundo os dados da Associação Brasileira de Franchising (“ABF”), em 2016, o sistema de franquia cresceu 8.3 % (oito inteiros e três décimos por cento)1 no Brasil.

Conforme anunciado, ainda ao final de 2015 (2), pelas manchetes nacionais, o surgimento de “novos” (3) modelos de negócios de franquia foi um dos grandes responsáveis em alavancar o bom resultado do setor, especialmente a partir do ano passado.

A implementação destes “novos” modelos de negócio voltou a tomar conta das manchetes recentemente, no entanto, sob prisma negativo. Na última semana, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (“CADE”), confirmou o recebimento de denúncia encaminhada pelo deputado federal André Amaral através da qual, segundo as informações públicas disponíveis, solicita que sejam investigadas “as condutas nocivas e anticoncorrenciais de todo o grupo O Boticário, que causaram a falência de franqueados e a demissão de milhares de trabalhadores brasileiros” (4).

Argumenta o deputado representante que os problemas iniciaram em 2011, quando a empresa representada decidiu implementar a venda direta de seus produtos. Alega ainda que tal modelo de negócio teve sua adesão imposta aos franqueados, o que somado à imposição de barreiras como a elevação do volume de estoque mínimo, o crescimento de custos com centros de distribuição e o arrefecimento das condições de pagamento elevou sensivelmente os custos dos franqueados provocando a falência de muitos deles.

Não obstante o relatado acima cuidar de supostas condutas que devem ser apuradas à luz do direito concorrencial, cuja finalidade é em última instância proteger os consumidores, há de se destacar que implementação e convivência destes “novos” modelos de negócio com aqueles tradicionais (principalmente business format franchising – “BFF”5) pode gerar de imediato efeitos negativos aos franqueados.

É evidente que a franquia é uma atividade empresarial caracterizada pela dependência econômica. Nada há de ilícito no fato de uma empresa ser superior economicamente à outra. No momento da celebração do contrato de franquia as partes aderiram voluntariamente aos esquemas contratuais, puderam e tiveram liberdade para ponderar os riscos e as consequências da contratação.

Desta forma, o contrato de franquia deve permanecer equilibrado (ou desequilibrado) na medida em que foi pactuado, porém, o abuso nesta relação deve ser reprimido (6).

Na relação de franquia o cooperativismo entre franqueador e franqueado tem papel central, e o lucro será menos o produto da barganha entre as partes e mais o produto de mútua cooperação, regido pelos princípios de solidariedade e boa-fé (7).

Neste sentido, não encontra fundamento qualquer exigência do franqueador ao franqueado de novas condições que dificultem a continuidade da prática empresarial sem qualquer contrapartida ao sistema de franquia.

Tampouco tem lugar eventual “imposição” do franqueador ao franqueado para que esse adira a determinado modelo de negócio. É dizer, caso o franqueador lance, por exemplo, o modelo de venda direta e o coloque à disposição de determinado franqueado BFF em certa região, este não está obrigado a contratá-lo com o franqueador, a não ser que tal hipótese conste do contrato original de franquia. 

Também não nos parece razoável que o franqueador oferte a opção de venda direta na região do franqueado que anteriormente a abdicou a outro franqueador BFF sem contraprestação àquele franqueado primitivo.

 Caso tal fato viesse a se concretizar, o franqueador provavelmente geraria concorrência intramarca (8) nociva aos franqueados, deixando de cumprir com seus deveres centrais na relação de franquia.

Isto porque a exclusividade territorial, o cooperativismo entre seus atores, o agir de boa-fé e de forma leal são elementos estruturais e de extrema importância no sistema de franquia. Não é de se admitir que visando a expansão imediata de seus lucros o franqueador autorize a operacionalização de modelo específico de franquia em prejuízo a outros franqueados, quebrando-lhes a sua exclusividade territorial, possibilitando a outrem ofertar o mesmo mix de produtos naquela área sem qualquer contrapartida ao franqueado prejudicado.

Uma vez configurado este cenário, existem ao menos duas soluções capazes de mitigar as consequências desta concorrência intramarca nociva para o franqueado prejudicado: (i) a busca pela revisão contratual, pleiteando, por exemplo, a diminuição do valor de seus royalties ou (ii) a resolução judicial do vínculo contratual, com a devida indenização por perdas e danos.   

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[1] Segundo os dados da ABF, em 2016, o sistema de franquia no Brasil congregava mais de 140.000 (cento e quarenta mil) lojas, 3.039 (três mil e trinta e nove) marcas, gerando mais de 1.000.000 (um milhão) de empregos diretos e faturamento que ultrapassou 151 (cento e cinquenta e um) bilhões de reais. Vide Relatório de Desempenho do Franchising de 2016, disponível em < http://www.abf.com.br/mercado-de-franquias-cresce-83-em-2016/>. Acessado em 21.04.2017.

2 Vide, por exemplo: Mercado de Franquias espera crescer em 2016 com novos modelos de franquias. Disponível em < https://economia.uol.com.br/ultimas-noticias/colunistas/filomena-garcia/2015/12/08/mercado-de-franquias-espera-crescer-em-2016-com-novos-modelos-de-negocios.htm>. Acessado em 21.04.2017.

3  Entre os “novos” modelos de negócio destaca-se a venda porta a porta (“door to door”)a franquia multimarcas e a itinerante Não obstante alguns desses modelos não serem propriamente “novos”, foram assim denominados em vista da sua crescente e atual utilização em uma escala e proporção nunca antes vista no sistema de franquia empresarial no Brasil.

4 Vide https://noticias.bol.uol.com.br/ultimas-noticias/economia/2017/04/24/disputa-entre-boticario-e-franqueado-fecha-lojas-e-gera-denuncia-ao-governo.htm?cmpid=copiaecola, Acessado em 21.04.2017.

5 É o modelo onde há a transferência ao franqueado do modelo de negócio concebido pelo franqueador, possibilitando ao franqueado desenvolver a atividade econômica nos moldes idealizados por aquele. Há a transmissão de elementos padrões estruturais-físicos do negócio, como, a planta do fundo de comércio, disposição, modelo, formato, cor de móveis, técnicas comerciais, administrativas, gerenciais, treinamento de funcionários, plano de marketing, além é claro dos produtos/serviços já desenvolvidos e testados no mercado pelo franqueador.

6 FORGIONI, Paula Andréa. Teoria Geral dos Contratos Empresariais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 35-36.

7 MACEDO JR., Ronaldo Porto. Contratos Relacionais no Direito Brasileiro, p. 7 e 8. Disponível em < https://www.academia.edu/6940142/CONTRATOS_RELACIONAIS_NO_DIREITO_BRASILEIRO_1>, acessado em 23.04.2017.

8 Segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (“OCDE”), “a competição intramarcas pode estar no preço ou em condições não relacionadas ao preço. Por exemplo, um par de jeans Levis pode ser vendido a um preço menor com um desconto ou em uma loja especializada se comparado com uma loja de departamento, no entanto, sem as comodidades fornecidas por aquela. As comodidades nos serviços constituem condições competitivas intramarcas não relacionadas ao preço” (Tradução Livre). Disponível em <https://stats.oecd.org/glossary/detail.asp?ID=3153>. Acessado em 23.04.2017.