“Não acreditaram em mim por causa do meu sotaque”, diz empresário potiguar, hoje à frente de rede que fatura, anualmente, mais de R$ 120 milhões

Etevaldo Miranda criou uma das maiores redes de saúde do país e revela as barreiras geográficas e o preconceito linguístico que enfrentou

Há 12 anos, Etevaldo Miranda deu o pontapé inicial em um projeto que viria a se tornar uma das maiores redes de franquias do setor de saúde do Brasil – a Cuidare. Natural de Natal, Rio Grande do Norte, ele desenvolveu um modelo de negócio para atender a uma demanda que crescia na região: a procura por profissionais especializados no cuidado de idosos. Diante do envelhecimento acelerado da população brasileira, Etevaldo, ao lado da sócia, propôs levar atendimento profissional e humanizado diretamente aos lares dos pacientes.

“Com a população idosa crescendo cada vez mais, percebemos uma carência por serviços realmente qualificados em Natal. O mercado informal era o que prevalecia, mas ainda tinha espaço para um serviço com cuidadores profissionais para oferecer um atendimento de qualidade e que não faltasse com os pacientes”, explica Etevaldo.

A consolidação do negócio, no entanto, não aconteceu da noite para o dia. Com a bagagem adquirida em empreendimentos anteriores, ele estudou o mercado local e de outras regiões para estruturar um formato de operação que preenchesse as lacunas deixadas em aberto pela concorrência. Apostou em um modelo enxuto, que não exigia grandes instalações e permitia a gestão dos cuidadores em turnos para atender os pacientes.

A estratégia mostrou alto potencial de escalabilidade e o negócio deixou de ser regional e rapidamente tomou proporções nacionais. Apenas três anos após a criação da primeira unidade da Cuidare, em Natal, surgiu a Rede Cuidare Brasil, hoje com 78 franquias espalhadas por todas as regiões do país e faturamento anual superior a R$ 120 milhões.

Origem como obstáculo

O sucesso atual da marca não esconde o esforço de seu fundador nos bastidores. Enquanto planejava a expansão para o mercado de franquias e alcançar outras regiões do país, ele encontrou um grande obstáculo: o preconceito linguístico.

Durante as negociações para abrir as primeiras unidades no Sudeste, recebeu muitos “nãos”, que escondiam um estranhamento com sua origem. “As primeiras coisas que me perguntavam eram: ‘de onde vem esse sotaque?’ e ‘que DDD é esse?’”, relembra.

O código 84, do Rio Grande do Norte, que precedia o número de telefone, gerava desconfiança entre potenciais franqueados. Mas foi o sotaque potiguar que mais pesou.

Essa situação se repetiu várias vezes. Sentia que, só por falar diferente, meu trabalho era colocado em dúvida”, afirma.

Foi então que decidiu contratar uma consultoria em São Paulo para intermediar as vendas. O resultado foi imediato: eles venderam em um mês o que Etevaldo demorou quatro para conseguir sozinho. Mais do que uma barreira comercial, ele viu seu sotaque ser tratado como um sinal de fragilidade profissional, como um entrave que descredibilizava seu trabalho como empreendedor.

“Percebi ali que precisaria adotar um sotaque diferente para levar o negócio adiante. Tinha que soar mais paulista, mais ‘chiado’, e menos como eu mesmo. Parecia que meu jeito de falar era um obstáculo a ser vencido. Não era sobre a qualidade da franquia, era sobre de onde eu vinha”.

O empreendimento falou por si próprio e Etevaldo não sucumbiu à pressão de se adequar ao mercado. A cada nova unidade da Cuidare Brasil inaugurada, surgiam mais interessados, o que impulsionou o crescimento acelerado da rede, hoje presente em 18 estados, mais o Distrito Federal.

O Nordeste em números

As raízes nordestinas de muitos empreendimentos têm impulsionado seu sucesso em âmbito nacional. Nos últimos anos, a região conquistou destaque no cenário do empreendedorismo brasileiro, com milhares de pequenos negócios surgindo e se consolidando. Somente no primeiro trimestre de 2025, mais de 236 mil novas empresas foram abertas, segundo o Sebrae, demonstrando o dinamismo da economia regional.

Além disso, o Nordeste se destaca como polo de tecnologia e inovação, ficando atrás apenas do Sudeste. Para Etevaldo Miranda, é fundamental ampliar a visão do Brasil sobre o que é produzido fora desse eixo.

“O país precisa parar de enxergar o Nordeste apenas como consumidor de soluções e começar a reconhecê-lo como produtor de conhecimento, inovação e negócios sólidos. A descentralização é urgente, e isso passa por respeitar as vozes, os sotaques e os talentos que nascem longe do eixo tradicional”, conclui.