Em épocas de crise econômica e instabilidade política, o franchising exerce uma função social relevante, tornando-se uma opção para profissionais com dificuldades para se reposicionar no mercado de emprego ou até mesmo como uma alternativa de “aposentadoria” diante das incertezas que rondam a seguridade social do país.
Por se tratar de uma ferramenta de expansão muito usada por grandes empresas, o franchising é equivocadamente associado exclusivamente às grandes marcas e, com isso, os franqueados muitas vezes são tratados como hipossuficientes da relação instituída com o franqueador, o que em geral não se confirma, uma vez que não é incomum que franqueados com três ou mais unidades venham a ter faturamento superior aos de franqueadores.
De outro lado, os sistemas criados por franqueadores despreparados e com intuito meramente expansionista, sem cuidados com o crescimento sustentável de suas redes, devem ser desestimulados.
Por tudo isso, entender o que é franchising e as obrigações de cada parte são fundamentais.
Nesse sentido, não se pode deixar de citar o conceito de franquia instituído pela Lei 8.995/94, segundo o qual “Franquia empresarial é o sistema pelo qual um franqueador cede ao franqueado o direito de uso de marca ou patente, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos ou serviços e, eventualmente, também, ao direito de uso de tecnologia de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvidos ou detidos pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no entanto, fique caracterizado vínculo empregatício”.
De acordo com o texto legal, são requisitos essenciais da franquia apenas a concessão dos direitos de uso da marca ou patente e a distribuição de produtos ou serviços, o que gerou muitas críticas por parte da doutrina, uma vez que o know-how para a implantação e operação do negócio não são obrigatórios e, ainda, houve a omissão quanto à assistência técnica por parte do franqueador.
Constata-se, no entanto, é raro um franqueador não se comprometer a fornecer know-how e suporte aos franqueados, haja vista que referida ausência comprometerá o desempenho da operação do negócio e, principalmente, gerará a falta de padronização das unidades, o que não interessa aos franqueadores.
Apesar de ter instituído o franchising no Brasil, a Lei 8995/94 não regulamentou o contrato de franquia, de modo que este é considerado um contrato atípico, o que significa que as partes podem estabelecer as suas regras ao abrigo do princípio da liberdade contratual, desde que respeitadas as regras gerais aplicáveis a qualquer espécie de contrato.
A única exigência legal a qual o franqueador deve-se ater é a entrega obrigatória da Circular de Oferta de Franquia, instrumento que obrigatoriamente deverá conter uma série de informações detalhadas sobre o negócio e a rede, dentre as quais a relação completa de todos os franqueados da rede e daqueles que se desligaram nos últimos 12 (doze) meses, com nome, endereço e telefone.
A Circular deve ser entregue com no mínimo 10 (dez) dias de antecedência da assinatura de qualquer contrato ou pré-contrato de franquia ou, ainda, do pagamento de qualquer tipo de taxa pelo franqueado à franqueadora ou a empresa ou pessoa ligada a este, sob pena de anulação do contrato e possibilidade de exigir da franqueadora a devolução de todas as quantias que já houver pago mais perdas e danos.
É importante ressaltar, contudo, que ausência do cumprimento desse requisito não resulta na imediata anulação do contrato, cabendo ao julgador avaliar de forma mais acurada o caso.
Isto porque, de acordo com a interpretação do artigo 174 do Código Civil, segundo o qual “é escusada a confirmação expressa, quando o negócio já foi cumprido em parte pelo devedor, ciente do vício que o inquinava”, os atos praticados posteriormente convalidam o negócio jurídico, ainda que defeituoso em sua origem.
Para ilustrar esse entendimento, o Tribunal de Justiça de São Paulo tem se posicionado da seguinte forma:
FRANQUIA. ANULAÇÃO DE CONTRATO. VÍCIOS INEXISTENTES. Eventual falta de informação na circular de oferta de franquia (COF) não comprometeu a atividade empresarial da autora, que, durante três anos, auferiu lucros do negócio. Não se afigura razoável que a franqueada, depois de ter experimentado por tempo significativo o negócio, colhido resultados, levante defeitos na oferta de franquia, vícios que não a impediram de levar adiante o negócio. Sentença mantida. Recurso não provido. (TJ-SP – APL: 40131893320138260224 SP 4013189-33.2013.8.26.0224, Relator: Carlos Alberto Garbi, Data de Julgamento: 31/08/2015, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Data de Publicação: 04/11/2015)
Franquia. Pedido de anulação de contrato de franquia e de devolução dos valores adimplidos, com indenização por danos morais. Inadimplemento contratual da franqueadora na prestação de serviço de assistência que ficou incontroverso. Culpa concorrente na resolução do contrato reconhecida. Falhas de informação em circular de oferta de franquia não caracterizadas. Anulação do contrato afastada. Convalidação tácita do contrato anulável (CC, art. 174). Insucesso da franquia que não pode ser imputado ao franqueador. Pedido de danos materiais afastado. Danos morais não configurados. Mero inadimplemento contratual. Sentença mantida. Recursos improvidos. (TJ-SP – APL: 40066627620138260576 SP 4006662-76.2013.8.26.0576, Relator: Hamid Bdine, Data de Julgamento: 16/03/2016, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Data de Publicação: 18/03/2016)
CONTRATO DE FRANQUIA – Ação para anulação do contrato de franquia – Preliminar rejeitada – Suposta ausência de entrega pela franqueadora da circular de oferta de franquia que pode acarretar a anulação do negócio, nos termos do art. 4º da Lei nº 8.955/94 – Documentos acostados aos autos comprovam que a circular de oferta de franquia foi entregue dentro do prazo legal – Ainda que assim não fosse, teria havido convalidação tácita do contrato anulável, pois as prestações foram executadas de parte a parte durante mais de um ano – Alegação de inadimplemento contratual por parte da franqueadora que tampouco encontra supedâneo na prova dos autos – Inconformismo do autor com os prejuízos sofridos não é razão suficiente para a anulação do contrato de franquia ou para a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos materiais ou morais – Sentença mantida – Recurso não provido. (TJ-SP – APL: 00254605620138260576 SP 0025460-56.2013.8.26.0576, Relator: Francisco Loureiro, Data de Julgamento: 28/10/2015, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Data de Publicação: 30/10/2015)
Tais decisões, sem dúvida, confirmam também o dever de lealdade e boa-fé por ambas as partes, já que, se deparando diante de uma informação conflitante àquela constante na Circular, o franqueado deve buscar esclarecê-la e, sendo o caso, exigir a anulação imediata, auxiliando-se, assim, inclusive o melhoramento do Sistema de Franquia.