Uma decisão recente da Justiça do Trabalho concedeu a um ex-funcionário da área de vendas uma indenização por falta de remuneração no período de afastamento devido a uma cláusula de não-concorrência contratual. Em resumo, em determinados contratos, o funcionário, quando dispensado, não pode trabalhar no mesmo segmento, já que poderia levar da empresa clientes para concorrentes. Assim, é possível, contratualmente, limitar sua atuação por uma cláusula de não-concorrência, que determina um período em que ele deverá ficar afastado do segmento, com tempo e território pré-determinados. O que ocorreu, no caso julgado, é que não houve, por parte da empresa, remuneração para que o funcionário mantivesse seu padrão de vida neste período de afastamento – item obrigatório pela Justiça do Trabalho e que pode ser substituído pelo pagamento de uma pós-graduação ou contratação de headhunter para recolocação profissional, por exemplo.
A mesma decisão não poderia ser transposta para o sistema de franchising. As cláusulas de não-concorrência são muito comuns nos contratos de franquia porque o franqueador transfere know-how ao franqueado, ou seja, o ensina a operar um negócio, desde a parte técnica até a empresarial. “É justamente essa transferência de know-how que faz toda a diferença entre um negócio independente e uma franquia, é o segredo que o franqueador precisa proteger”, diz Thaís Kurita, advogada especializada em contratos, sócia do escritório Novoa Prado Consultoria Jurídica.
Kurita explica que é consolidado o fato de que não existe uma relação de trabalho entre franqueador e franqueado e, por isso, não há a obrigatoriedade de remuneração pelo período de afastamento. “A relação de franquia consiste em uma transferência de know-how e direito de uso de marca a um investidor, sem qualquer vínculo empregatício”, esclarece ela.
A advogada diz que a cláusula de não-concorrência em franchising tem três características fundamentais, sendo que duas delas devem ser aplicadas concomitantemente para que a cláusula tenha validade jurídica: tempo, território e segmento. “Não se pode impedir o empreendedor de nunca mais atuar no segmento. Em geral, as cláusulas impõem de dois a cinco anos de afastamento. Em relação ao território, é necessário que se justifique por que ele não pode atuar no Brasil, por exemplo. Em franquia, isso é válido, por conta da capilaridade: se o franqueado abrir uma rede de franquias concorrente, logo estará no país todo. Por fim, também não se pode limitar a atuação de segmento perpetuamente, é preciso estipular parâmetros para não permitir que o franqueado atue no mesmo ramo de atuação. O franqueador de Educação não pode, por exemplo, proibir o franqueado de trabalhar com Alimentação”, exemplifica.
Quando as cláusulas são exageradas pelo franqueador, o juiz pode readequá-las, permitindo ao franqueado que atue, com limitações. Thaís Kurita dá um exemplo bastante comum em franchising: “Há dentistas que têm seus consultórios e realizam serviços básicos, individualmente. Então, adquirem uma franquia de policlínica, na qual passam a ser empresários do setor. O franqueador transfere o know-how que lhes permite administrar uma equipe de outros dentistas, que oferece serviços diferentes dos que ele realizada em seu consultório, e o ensina a gerenciar um departamento comercial, com captação de clientes. Por algum motivo, essa relação se acaba e o franqueado aciona a Justiça porque sabe que ninguém pode impedi-lo de trabalhar como dentista. Porém, o franqueador o ensinou a ser um empresário do setor – e isso ele pode impedir. Então, o ex-franqueado não poderá ter uma policlínica por determinado período, atuando em seu consultório normalmente, ou como funcionário de outro estabelecimento”, diz ela.
A advogada diz que não há como confundir as cláusulas de não-concorrência em contratos de trabalho com as estipuladas em contratos de franquia, porque os contratos têm natureza totalmente diferente. A advogada está à disposição da imprensa para mais esclarecimentos.