Em maio deste ano, o ministro Marco Buzzi, relator do Superior Tribunal de Justiça (STJ), reverteu uma decisão regional que favorecia o Sindicato dos Lojistas do Comércio de Porto Alegre (Sindilojas) e julgou não ser possível declarar genericamente a abusividade das cláusulas de raio.
Segundo ele, é necessário analisar cada caso concreto para verificar se houve prejuízo às partes. Buzzi teria ainda afastado a alegação de que a cláusula gera prejuízos aos consumidores e acrescentou que o dispositivo na verdade estimularia a concorrência com a abertura de novos empreendimentos perto de outros.
Segundo o advogado do escritório Andrade Maia, Daniel Engelman, essa decisão faz com que diversas lojas localizadas em dois shoppings separados por cerca de três quilômetros talvez tenham que rever seus investimentos.
O Mapa das Franquias conversou com Patrícia Cavassani, advogada do escritório Novoa Prado Consultoria Jurídica, para entender um pouco o caso. Confira a seguir.
Mapa das Franquias: O que é uma cláusula de raio e como ela afeta franquias?
Patrícia Cavassani: Franquia é a relação pela qual uma empresa industrial, comercial ou de serviços com marca ou nome comercial (Franqueadora), permite que uma Pessoa Física ou Jurídica (Franqueada), por tempo e área geográfica determinada, utilize a sua marca e o seu modelo de negócio para venda ou fabricação de produtos e/ou serviços. Disposições que restringem investimentos e expansões são admitidas em circunstâncias excepcionais (como a Lei 6279/1979, que regulamenta a distância entre concessionárias de revenda de veículos da mesma marca) e visam proteger e assegurar meios de sobrevivência do estabelecimento. O próprio artigo 1147 do Código Civil é exemplo de que a lei não proíbe que se criem normas específicas que proíbam a abertura de lojas próximas e que asfixiam o estabelecimento recém adquirido. No caso de franquia, há regra que protege o Franqueado quanto a diversas franquias próximas (Lei 8955/1994, art. 3º, X): “Art. 3º Sempre que o franqueador tiver interesse na implantação de sistema de franquia empresarial, deverá fornecer ao interessado em tornar-se franqueado uma circular de oferta de franquia, por escrito e em linguagem clara e acessível, contendo obrigatoriamente as seguintes informações: (…) X – em relação ao território, deve ser especificado o seguinte: a) se é garantida ao franqueado exclusividade ou preferência sobre determinado território de atuação e, caso positivo, em que condições o faz; e b) possibilidade de o franqueado realizar vendas ou prestar serviços fora de seu território ou realizar exportações”.
Nesse sentido, com a fixação dos critérios territoriais na Circular de Oferta de Franquia e dos respectivos limites no Contrato de Franquia, o Franqueado não detém qualquer exclusividade ou preferência fora desse território estritamente delimitado. No caso de delimitação, por exemplo, em 1.000 metros ou na área de um Shopping, nada impede que a Franqueadora firme outro Contrato de Franquia fora dessa área para exploração da mesma atividade, com o uso da mesma marca e na mesma Cidade. O mesmo entendimento pode ser aplicado para a abertura de uma Loja Própria da Franqueadora.
Mapa das Franquias: O ministro Marco Buzzi do STJ recentemente reverteu uma decisão regional que favorecia o Sindicato dos Lojistas do Comércio de Porto Alegre (Sindilojas). Qual o possível impacto dessa decisão em outras partes do Brasil? O consumidor sairá de alguma forma prejudicado?
Patrícia Cavassani: Neste caso específico, o entendimento da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça foi o de que a Cláusula de Raio, inserida em Contratos de Locação de Shopping, não é abusiva. Para o colegiado, os Shoppings constituem uma estrutura comercial completamente singular e diferenciada e Cláusulas desta natureza garantem o fim econômico do empreendimento. A Cláusula de Raio prevista nos Contratos de Locação proíbe aos Lojistas explorar o mesmo ramo de negócio em um determinado raio de distância com o objetivo de restringir a concorrência de oferta de bens e serviços no entorno do empreendimento. O Ministro Marco Buzzi destacou que esta modalidade de Contrato objetiva a viabilização econômica e administrativa e o sucesso do empreendimento; afastou a alegação de prejuízo ao consumidor, pois a Cláusula de Raio potencializa a livre concorrência através da abertura de outros empreendimentos no local e entendeu ser inviável impor limitações a Contratos baseando-se apenas em situações genéricas, sem um caso concreto em que se alegue a abusividade da Cláusula e os prejuízos sofridos. O entendimento do STJ pode servir de espelho para outras decisões dos Tribunais de Justiça Estaduais.
Mapa das Franquias: A cláusula de raio pode ser aplicada para lojas de ramos diferentes pertencentes ao mesmo proprietário? Exemplo, cosméticos e alimentos?
Patrícia Cavassani: A cláusula de raio prevista nos Contratos de Franquia cumulada com a Cláusula de não-concorrência podem delimitar o negócio do mesmo segmento daquele que é franqueado ou segmento concorrente. Assim, o mesmo proprietário não observará a Cláusula de Raio para negócios que não são concorrentes entre si. Ainda, caso o Contrato de Franquia não disponha acerca da não-concorrência, o mesmo proprietário poderá operar negócios concorrentes no mesmo território.
Mapa das Franquias: Alguns advogados sustentam que a cláusula raio deve ser analisada caso a caso. Qual o seu parecer quanto a isso? Como o franqueado pode lidar com essa incerteza sem saber exatamente como será avaliado seu caso em particular? Alguma dica?
Patrícia Cavassani: Sempre é pertinente a análise caso a caso de questão tão relevante para a operacionalização e crescimento do negócio. Com as ressalvas aduzidas, é possível a abertura de uma Loja Própria ou Franquia em Cidade ou região em que já atua um Franqueado, desde que a nova Loja se encontre fora dos limites do território previsto em Contrato. Assim, é extremamente importante que o Franqueado conheça o conteúdo da Circular de Oferta de Franquia e do Contrato de Franquia que firmará com a Franqueadora e, ainda, quais são os planos de expansão e crescimento da Marca no mercado. Ainda, o Franqueado deve analisar as disposições do Contrato de Locação a respeito (em caso de Loja de Shopping).
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