Toda sexta-feira a cena se repete, Fernanda abre o guarda-roupa e escolhe cuidadosamente a roupa que vai vestir, capricha na higiene pessoal, passa longos minutos na frente do espelho, penteia os cabelos, se perfuma e sorridente pergunta para a mãe: “Estou bem para ir assim?”.
Fernanda tem 43 anos é autista com uma deficiência intelectual de grau médio. Não foi alfabetizada por causa das limitações, mas isso não impediu que Fernanda experimentasse a oportunidade de ingressar no mercado de trabalho. E foi o Café Du Centre que abriu as portas. “Quando soube que a minha filha teria essa oportunidade, me emocionei profundamente. Acredito que a principal preocupação dos pais e cuidadores de pessoas atípicas, com algum déficit no desenvolvimento, é justamente sabermos da dificuldade que eles enfrentam de conquistarem um espaço na sociedade para a independência”, comenta Leonita Aparecida Prestes Tarosso, mãe da Fernanda. “Uma das minhas maiores angústias é saber que pela lei natural da vida, partiremos antes dela e essa preocupação de como ela se sustentará e se terá chance de desenvolver a autonomia para se manter produtiva e capaz de se manter desespera muitas famílias”, complementa.
Inclusão não tem preço
Aluna da APAE desde os 10 anos, Fernanda é uma entre dez alunos da entidade que se revezam uma vez por semana na matriz da rede Café Du Centre em Itapema, Santa Catarina. “Cada semana vai um aluno. Eles ficam na cafeteria por três horas, das 15:00 até às 18:00. Neste período, escolhem qual função querem aprender e desenvolver, recebem todo o acolhimento afetuoso e o treinamento necessário para executarem o trabalho. Podem auxiliar na cozinha ou no atendimento, eles são livres para experimentar as capacidades e os desafios e ao final do expediente recebem o pagamento pelo serviço, mas na verdade o que ganham lá tem um valor incalculável”, comenta a diretora da APAE, Eliane Soares.
Bruna Vieira, uma das sócias da Rede Café Du Centre, é uma entusiasta do projeto. “É impressionante a capacidade lúdica deles. Ficam vidrados nos grãos de café, em cada etapa do preparo de uma bebida. Encaram os utensílios e os processos como se fizessem arte. São minuciosos, se entregam emocionalmente e ouso dizer que aprenderam mais rapidamente do que os nossos colaboradores típicos”.
A alegria de servir o cliente
“Eles expressam amor com o olhar, são cuidadosos e gentis. Demonstram tanta realização em anotar um pedido, levar uma bandeja, entregar aquele café ou ajudar no preparo de alguma sobremesa, que de fato, comovem. Os clientes são mais do que receptivos, eles se sentem gratos, adoram participar de um pedacinho do dia de trabalho deles e manifestam reflexão e inspiração depois da experiência de serem atendidos de uma maneira tão especial”, conta Paula Vieira, outra fundadora da Rede Café Du Centre.
A parceria APAE e Café Du Centre
Tudo começou com um curso de barista aberto aos alunos da APAE, que terminou com certificação, comemoração e muita expectativa. “Não vou negar que nos pareceu um projeto ousado, principalmente por ser uma alquimia desconhecida de muita gente, mas eles se encantaram com o aprendizado sobre o café e em pouquíssimo tempo já estavam preparando com excelência e falando sobre o assunto com empolgação”, ressalta a diretora da APAE.
A parceria foi além do curso porque no dia seguinte os alunos apresentaram ganhos exponenciais de comunicação. “Eles não paravam de falar no assunto, expressavam a vontade de voltar à cafeteria, pediam para aprender mais e aí conversamos e o Café Du Centre sugeriu ampliar a parceria. Pra nós foi uma surpresa. Percebermos uma empresa com essa postura social tão humanista foi impressionante e não poderíamos perder jamais essa chance”, conclui Eliane Soares.
Autonomia e autoestima
“A primeira vez que minha filha recebeu o pagamento e voltou pra casa, lembro dos olhinhos dela brilhantes dizendo que havia trabalhado e que tinha conseguido. Foi uma conquista para todos nós, a cena mais feliz da minha vida”, comenta Celso Bertolli, pai de Milena.
Milena Bertolli, de 41 anos teve falta de oxigenação por causa de uma complicação no parto, o que acarretou um retardo no desenvolvimento. Além disso, nasceu com a Síndrome de Marfan, uma doença rara que como consequências afeta a coordenação motora e promove um cansaço mais rapidamente do que as outras pessoas.
Ela foi a primeira a participar do projeto. “Ela foi muito empolgada, ajudou na cozinha e por ser muito comunicativa preferiu o atendimento pelo contato que pode ter com os clientes”, conta o pai.
Milena já faz planos com o dinheiro que recebe e em casa avançou muito o desenvolvimento de habilidades antes não percebidas. “Nossos cafés da manhã ou da tarde nunca mais foram os mesmos, ela prepara a mesa todos os dias, faz questão de ajudar, nos ensina sobre o sabor, comenta algumas receitas, traz ideias, melhorou muito no relacionamento com a família e com todas as pessoas. É lindo de ver o que a inclusão faz com o ser humano!”, diz Celso.
Independência e inclusão
“Essa oportunidade que o Café Du Centre proporciona aos nossos alunos vai além do treino das habilidades interpessoais, do ganho na socialização e da conquista da autonomia. O que mais me chama a atenção é a autogestão. Eles se preparam para o dia do trabalho, pensam como devem se vestir, se portar, se comunicar. Percebemos uma evolução significativa no desenvolvimento da linguagem, na adaptação às regras de convivência, o senso de organização e disciplina para ocupação dos espaços e participação nas atividades além de uma cooperação mais espontânea”, avalia Karin Luisy, a psicóloga da APAE
Posicionamento social: filosofia e marca
“Saber que contribuímos de alguma maneira para que os sonhos dessas pessoas se aproximem da realidade por esforço delas, que neste fim de ano eles comprarão presentes e pensarão nos próximos desejos certos de que poderão conquistar com planejamento e trabalho, terminar a semana sabendo que servimos sabor, aroma e exemplo é uma realização para nós”, diz Bruna Vieira. “Incentivamos nossos franqueados para projetos semelhantes. Estamos ampliando o projeto com a APAE no Rio de Janeiro. Pra nós, é mais do que um posicionamento social é a marca do que acreditamos enquanto empreendedores, de que o potencial humano é surpreendente”, finaliza Paula Vieira.