Franquia colonial ou franquia democrática?

Por Eduardo Murin, diretor de expansão da rede de escolas de idiomas CNA.

Uma cena ocorrida no Rio de Janeiro, em junho deste ano, quando da afronta de um casal a um servidor municipal que fiscalizava o cumprimento das medidas de segurança contra a Covid-19 em um bar, chocou a opinião pública em razão da atitude criminosa e da seguinte fala: “Cidadão, não! Engenheiro civil, formado, melhor do que você!”.

Imediatamente, por meio das redes sociais e dos principais veículos de comunicação, vieram à tona manifestações de indignação contrárias ao velho espírito aristocrático, anti-igualitário, infelizmente ainda tão presente na sociedade brasileira.

Como descrevem antropólogos e historiadores, a cultura da “carteirada” em nosso país deriva das características colonizadoras da família real portuguesa aqui radicada (após fuga de Portugal durante as invasões napoleônicas) a que fomos submetidos e persiste, mesmo após o Brasil República, justamente para distanciar e separar castas, classes sociais, e permitir àqueles que atribuem a si ar de superioridade burlar as normas às quais são submetidos todos os demais brasileiros. É uma maneira aristocrática de contrariar o conceito de cidadania e proximidade, em que se tenta rotular o outro como inferior ou subordinado, ainda que isto não corresponda à verdade.

Lamentavelmente, estas mesmas posturas deletérias são reproduzidas em outros microcosmos, tais quais o dos colégios, por exemplo, quando alunos enfrentam professores desferindo ameaças como: “você sabe quem é meu pai?”. Semelhantemente, o fenômeno acontece nas empresas, por exemplo, como quando um funcionário se utiliza de relações próximas a superiores para prejudicar o desempenho de colegas tecnicamente mais aptos.

Em franquias, no Brasil, este comportamento, que já foi relativamente comum (muitas marcas nasceram familiares, altamente centralizadas e fortemente hierarquizadas), felizmente tem diminuído drasticamente, dando lugar a uma percepção mais equilibrada de que o trabalho em rede deve ser sinônimo de proximidade, equilíbrio, sinergia e transparência. Em verdade, tem aumentado a percepção de que essas virtudes são essenciais para uma gestão eficiente, eficaz, longeva e bem-sucedida (tais sinais evolutivos são um indicador do grau de maturidade, descentralização na gestão, profissionalismo e governança corporativa de uma rede).

Quem procura uma franquia como meio para investimento e empreendimento, precisa observar se cultura, características e formatos que regem as relações –do primeiro atendimento, passando pelas relações econômico-financeiras, contrato, serviços prestados, manuais e outros meios – entre as partes acompanham um viés mais autoritário ou mais dialogal, ou seja, se a relação franqueador-franqueado terá uma característica colonial ou democrática.

Ao mesmo tempo, é fundamental saber diferenciar elementos constituintes do sucesso do sistema de franquias (por exemplo: padrões, regras, rigor técnico, formatos e processos bem definidos ajudam no ganho de eficiência, na economia de tempo e recursos, e trazem melhores chances de um desempenho superior, com melhores resultados) de puro capricho ou extravagâncias onerosas desnecessárias, inclusive danosas ao franqueado.

Em paralelo, o espírito democrático, como a existência de canais de comunicação claros, comitês, encontros e fóruns para discussão de temas relevantes à rede, dentre outros, não pode ser confundido com informalidade ou liberdades que ponham em risco o negócio ou a qualidade das relações empresariais.

Assim sendo, é importante avaliar cuidadosamente todos os princípios éticos, técnicos, legais e empresarias da franquia antes de optar por uma ou outra marca.

Em suma, uma decisão precipitada ou equivocada poderá submetê-lo a uma relação colonial, por vezes mal sucedida e limitante, ao passo que uma escolha embasada, acertada, provavelmente o levará a um equilíbrio de relações típico de uma rede democrática e próspera, livre de grilhões nocivos e distinções por castas, portanto muito mais condizente com o Brasil que queremos e o mercado maduro que almejamos construir e desenvolver.