Uma cena ocorrida no Rio de Janeiro, em junho deste ano, quando da afronta de um casal a um servidor municipal que fiscalizava o cumprimento das medidas de segurança contra a Covid-19 em um bar, chocou a opinião pública em razão da atitude criminosa e da seguinte fala: “Cidadão, não! Engenheiro civil, formado, melhor do que você!”.
Imediatamente, por meio das redes sociais e dos principais veículos de comunicação, vieram à tona manifestações de indignação contrárias ao velho espírito aristocrático, anti-igualitário, infelizmente ainda tão presente na sociedade brasileira.
Como descrevem antropólogos e historiadores, a cultura da “carteirada” em nosso país deriva das características colonizadoras da família real portuguesa aqui radicada (após fuga de Portugal durante as invasões napoleônicas) a que fomos submetidos e persiste, mesmo após o Brasil República, justamente para distanciar e separar castas, classes sociais, e permitir àqueles que atribuem a si ar de superioridade burlar as normas às quais são submetidos todos os demais brasileiros. É uma maneira aristocrática de contrariar o conceito de cidadania e proximidade, em que se tenta rotular o outro como inferior ou subordinado, ainda que isto não corresponda à verdade.
Lamentavelmente, estas mesmas posturas deletérias são reproduzidas em outros microcosmos, tais quais o dos colégios, por exemplo, quando alunos enfrentam professores desferindo ameaças como: “você sabe quem é meu pai?”. Semelhantemente, o fenômeno acontece nas empresas, por exemplo, como quando um funcionário se utiliza de relações próximas a superiores para prejudicar o desempenho de colegas tecnicamente mais aptos.
Em franquias, no Brasil, este comportamento, que já foi relativamente comum (muitas marcas nasceram familiares, altamente centralizadas e fortemente hierarquizadas), felizmente tem diminuído drasticamente, dando lugar a uma percepção mais equilibrada de que o trabalho em rede deve ser sinônimo de proximidade, equilíbrio, sinergia e transparência. Em verdade, tem aumentado a percepção de que essas virtudes são essenciais para uma gestão eficiente, eficaz, longeva e bem-sucedida (tais sinais evolutivos são um indicador do grau de maturidade, descentralização na gestão, profissionalismo e governança corporativa de uma rede).
Quem procura uma franquia como meio para investimento e empreendimento, precisa observar se cultura, características e formatos que regem as relações –do primeiro atendimento, passando pelas relações econômico-financeiras, contrato, serviços prestados, manuais e outros meios – entre as partes acompanham um viés mais autoritário ou mais dialogal, ou seja, se a relação franqueador-franqueado terá uma característica colonial ou democrática.
Ao mesmo tempo, é fundamental saber diferenciar elementos constituintes do sucesso do sistema de franquias (por exemplo: padrões, regras, rigor técnico, formatos e processos bem definidos ajudam no ganho de eficiência, na economia de tempo e recursos, e trazem melhores chances de um desempenho superior, com melhores resultados) de puro capricho ou extravagâncias onerosas desnecessárias, inclusive danosas ao franqueado.
Em paralelo, o espírito democrático, como a existência de canais de comunicação claros, comitês, encontros e fóruns para discussão de temas relevantes à rede, dentre outros, não pode ser confundido com informalidade ou liberdades que ponham em risco o negócio ou a qualidade das relações empresariais.
Assim sendo, é importante avaliar cuidadosamente todos os princípios éticos, técnicos, legais e empresarias da franquia antes de optar por uma ou outra marca.
Em suma, uma decisão precipitada ou equivocada poderá submetê-lo a uma relação colonial, por vezes mal sucedida e limitante, ao passo que uma escolha embasada, acertada, provavelmente o levará a um equilíbrio de relações típico de uma rede democrática e próspera, livre de grilhões nocivos e distinções por castas, portanto muito mais condizente com o Brasil que queremos e o mercado maduro que almejamos construir e desenvolver.