O Processo de Internacionalização da rede de franquias O Boticário no mercado Norte Americano

As Teorias de internacionalização da firma

Pode-se entender a internacionalização como o processo por meio do qual a empresa deixa de operar nos limites do mercado nacional de origem e passa a explorar mercados estrangeiros (HITT, IRELAND e HOSKISON, 2002). Na definição, em função da palavra processo, não se deve entender a internacionalização como um fenômeno evolutivo, compondo-se de etapas sequenciais determinadas que a empresa deve seguir, como defendido pelo modelo de Upssala (JOHANSON e VAHLNE, 1977). Alguns casos podem acontecer dessa forma, mas o seqüenciamento de etapas de envolvimento externo, desde a simples exportação até a construção de subsidiárias próprias, não é verdadeiro para muitas empresas, o que torna necessária a adoção de uma abordagem mais pluralista que envolva diversos modelos para o entendimento do fenômeno. 

Quando a empresa decide internacionalizar sua produção ela pode escolher diferentes modos de atuação no estrangeiro, desde a simples exportação indireta até operações estrangeiras mais complexas e com maior comprometimento de recursos como a instalação de subsidiárias próprias no estrangeiro. Hitt, Ireland e Hoskison (2002) definem cinco formas principais de atuação no exterior: exportação, licenciamento, alianças estratégicas, aquisições e estabelecimento de uma subsidiária totalmente nova.

As teorias acerca do processo de internacionalização podem ser divididas em dois locos: os modelos econômicos (teorias da internalização; custos de transação, paradigma eclético, organização industrial, teoria do ciclo de vida do produto e teoria das vantagens das nações) e as teorias comportamentais (Escola de Uppsala, Teoria das Redes, Estratégia de Negócios e as Born Globals).

As teorias Econômicas, de modo resumido, possuem cinco limitações principais. Primeiro, as teorias explicam o IDE, mas dão pouca atenção às formas de internacionalização. Segundo, as teorias de caráter estático, dizem pouco sobre a aprendizagem organizacional e do processo. Terceiro, elas não explicam as formas de cooperação empresarial. Quarto, as teorias são mais voltadas para as atividades de manufatura, que serviços. Quinto, o enfoque é estritamente econômico, não considerando a função desempenhada pelos executivos nos processos de internacionalização. Já as teorias comportamentalistas surgiram para tentar explicar a internacionalização a partir das decisões dos executivos e dos aspectos psicológicos envolvidos nessas decisões. No modelo de Uppsala, que é o mais proeminente, a internacionalização pode ser entendida como um processo de acúmulo de conhecimento através de aprendizagem das empresas. As limitações desse modelo são, muitas vezes, de uma visão linear, esquemática e determinista; não considerando a possibilidade de ‘queimar etapas’, essencial para empresas dos países em desenvolvimento e para as empresas da nova economia e era digital; não considera que a sequência e velocidade do processo de internacionalização podem ser afetadas pelos diferentes ambientes de negócios.

O processo gradual de internacionalização proposto pelos teóricos de Uppsala, além de ser contestado pela teoria das redes (BIRKINSHAW e HOOD, 1998) o é também, pelas evidências empíricas sobre empresas que já surgem para servir o mercado internacional. O fenômeno das born globals (MADSEN e SERVAIS, 1995), empresas que, praticamente, já nascem voltadas para o exterior, assumindo postura internacional, é relativamente recente, os estudos não datam mais de uma década. 

A abordagem pluralista segue a idéia de Whitelock (2002) que sugere um modelo que incorpore os elementos-chave das várias teorias, para explicar de uma maneira mais abrangente a internacionalização das empresas. Poucos estudos nacionais como o de Borini at al., 2004 seguem a linha pluralista de Whitelock (2002) e explicam a internacionalização da firma utilizando diferentes modelos. Nesse item, o objetivo não é concluir se uma teoria é mais ou menos adequada para explicar o modo de internacionalização de empresas brasileiras. Busca-se mostrar as diferentes teorias, explicitando a flexibilidade de interpretação do fenômeno.

As Alianças estratégicas

A maior parte da literatura de estratégia tem como ponto principal a competição entre firmas. O foco, na maioria dos casos, é a vantagem competitiva e a competitividade estratégica, por meio de uma posição forte e individual, maximizando competências essenciais e minimização das fragilidades. Mas não é mais possível entender o comportamento estratégico da firma sem levar em consideração o ganho de vantagem competitiva por meio de cooperação com outras firmas. Isso acontece quando as empresas encontram maneiras de combinar seus recursos e capacidades (HITT, IRELAND e HOSKISON, 2002). 

Apesar da rápida disseminação, as estratégias de cooperação constituem exemplos de relacionamentos que dificilmente podem ser imitados por parte dos concorrentes, pois diferentes alianças servem a diferentes objetivos e o fato de serem socialmente complexas, baseadas em fortes relações de confiança (CHILD E FAULKNER, 1998) torna ainda mais difícil a imitação e, por isso, pode, efetivamente, constituir fonte de vantagem competitiva sustentável.

Não há consenso sobre o conceito de aliança estratégica. Há autores que adotam uma visão restritiva e não consideram fusões e aquisições como alianças e nem mesmo acordos de distribuição de produtos, licenciamentos e franquias (YOSHINO e RANGAN, 1997). Outros adotam uma visão mais ampla e classificam diversas formas de acordos de cooperação e parcerias entre empresas (LORANGE e ROOS, 1996;  PORTER e FULLER, 1988). Neste sentido, pode-se perceber a dificuldade de estabelecer uma definição do que constitui uma aliança estratégica entre diversas formas de cooperação entre empresas. 

Neste trabalho, pretende-se considerar como alianças estratégicas: Estratégias Cooperativas de Nível de Unidades de Negócios e Estratégias Cooperativas de Nível Corporativo (HITT, IRELAND e HOSKISSON, 2002) Estratégias Cooperativas de Nível de Unidades de Negócios: As Estratégias Cooperativas de Nível de Unidades de Negócios são projetadas para tirar proveito de oportunidades de mercado combinando os ativos da firma sócia de uma forma complementar para criar novo valor, reduzir a competição ou ainda reduzir a incerteza e o risco de novos negócios. As estratégias cooperativas de nível de unidades de negócios podem ser subdivididas em quatro tipos: (i)Alianças Complementares; (ii)Alianças para redução da competição; (iii)Alianças de resposta à competição; (iv)Alianças para redução da Incerteza. 

 Já as Estratégias Cooperativas de Nível Corporativo são projetadas para facilitar a diversificação de produto e/ou mercado. Elas permitem que a firma se expanda para novas áreas de produtos ou mercado sem ter o ônus de uma fusão ou uma aquisição. Podem ser: (i)Alianças para diversificação; (ii)Alianças sinérgicas; (iii)Franchising.

Não serão assumidas como alianças as fusões e as aquisições em que apenas uma empresa assume o controle estratégico. Essas relações, como concebidas pelos autores deste trabalho, não constituem estratégias de cooperação porque não envolvem empresas independentes com metas e interesses individuais. 

Se forem consideradas as definições de cooperação de Hitt, Ireland e Hoskisson (2002) entende-se o franchising como uma estratégia cooperativa de nível corporativo. Uma das razões pelas quais muitas firmas optam por alianças estratégicas de nível cooperativo é que essas oferecem parte dos benefícios sinérgicos de uma fusão ou aquisição (HiTT, IRELAND e HOSKISSON, 2002).

Relação do papel das alianças estratégicas na internacionalização da firma

As estratégias cooperativas internacionais permitem que as firmas compartilhem os riscos e recursos para entrar em mercados externos. Além disso, podem facilitar o desenvolvimento de novas competências essenciais. A maioria das alianças é feita com uma empresa do país anfitrião que conhece e tem domínio das condições competitivas, das normas legais, dos sistemas gerenciais etc, o que ajudará a manufaturar e comercializar um produto competitivo (HITT, IRELAND e HOSKISON, 2002).

As alianças complementares podem ser compreendidas com a ajuda do Paradigma Eclético proposto por Dunning (1980) porque são as que mais se aproximam dos processos de internacionalização clássicos. Nessa interpretação, os ativos e as competências trazidas por cada empresa são de naturezas diferentes: um aliado traz um produto desenvolvido com base em uma competência tecnológica, a outra permite que esse produto tenha acesso a um determinado mercado, via uma rede comercial desenvolvida. Nesse tipo de situação, o problema essencial é o grau de dependência de um aliado em relação ao outro. Tais alianças têm, ainda, a tendência de evoluir para uma posição de desequilíbrio. Essa é a abordagem que alguns autores chamam de tradicional (Hamel, Doz e Prahalad,1989) que vê as alianças estratégicas como mais uma forma de competição.

Para as alianças de diversificação e as alianças sinérgicas, o esquema teórico pertinente é, antes, o da economia de custos de transação (WILLIAMSON, 1975), pois muitas vezes os ativos dos parceiros são da mesma natureza. O objetivo dos aliados não é o de valorizar uma complementaridade, mas de fabricar componentes em comum, minimizando, os custos de produção e transação. Os custos de produção são reduzidos pelas mudanças de escala que a aliança vai propiciar; os custos de transação são reduzidos porque ela vai se dar entre os parceiros, em lugar de acontecer no mercado. As metas de cada parceiro, mesmo sendo diferentes, tendem a se complementar e podem gerar ganhos mútuos, quando, desde o início, as intenções são explicitamente declaradas e estabelecidas (LORANGE e ROOS, 1996). 

Quanto às alianças de redução da competição, de resposta à competição e de redução da incerteza, suas interpretações se distanciam da visão de concorrência clássica da estratégia. Diz respeito, principalmente, à abordagem relacional (ANDERSON, HOLM e FORSGREN, 2000; que leva em conta todas as relações que a empresa parceira cultiva com diferentes parceiros, mais para assegurar sua perenidade do que para aumentar seu lucro imediato. Acontecem com maior frequência nos mercados de ciclo rápido, como o de informática, o de mídia, entre outros.

Metodologia

O objetivo deste trabalho é entender as formas como o modelo de aliança estratégica é aplicado na internacionalização de empresas brasileiras, ou seja, discutir o papel e atuação dos aliados estratégicos na atuação internacional da empresa. O fenômeno foi observado por meio de um estudo de caso na maior rede de franquia brasileira O Boticário.

O estudo qualitativo (GOODY e HATT, 1979) e o método de estudo de caso (YIN, 1994) foramescolhidos, por possibilitar uma melhor obtenção de informações que pudessem elucidar o objeto de estudo e serem transformadas em variáveis de pesquisa ou gerassem hipóteses para serem testadas em trabalhos posteriores. Escolheu-se estudar as franquias devido ao crescimento internacional de franquias brasileiras e ao fato de a maior parte das pesquisas acadêmicas e referências acerca das alianças estratégicas e internacionalização de empresas se referirem ao setor de manufatura.

Decidido o caminho, o passo seguinte foi contatar o aliado internacional em Nova Iorque, seu sócio no Brasil e também a matriz produtiva do O Boticário no Paraná. Foram realizadas entrevistas com dois franqueados brasileiros e um aliado internacional e uma funcionária da loja de Nova Iorque, os questionários foram enviados via Internet e respondidos por escrito pelos entrevistados. Os questionários continham perguntas abertas sobre as estratégias utilizadas pelas franquias internacionais e as lojas dos aliados internacionais. Com o sócio de uma loja internacional realizou-se também uma entrevista por telefone para questões adicionais. Outra entrevista realizada foi com a consultora brasileira que ajudou a desenvolver o Business Plan da loja de O Boticário em Nova Iorque.

A Indústria de cosmético e perfumaria no Brasil

As grandes empresas nacionais do setor de perfumaria e cosmético, Natura (1969), O Boticário (1977), Água de Cheiro (1976) e L’Acqua di Fiori (1980) começaram com operações muito pequenas para consumidores de poder aquisitivo de médio a alto, e se fortaleceram durante o período de recessão dos anos 80, graças às políticas governamentais de proibição de importações e altas taxas alfandegárias. Nesse mesmo período, algumas empresas multinacionais do setor atuantes no país, como Revelon e Yardley, decidiram abandonar o mercado brasileiro.

Dado o espaço deixado pelas concorrentes internacionais Natura, O Boticário, Água de Cheiro e L’ Acqua di Fiori, a partir dos anos 80, passaram a investir no crescimento de suas parcelas de mercado (FREIRE, 2002). A estratégia de expansão de mercado utilizada por O Boticário, Água de Cheiro e L’ Acqua di Fiori foi o sistema de franquias. As franquias eram vantajosas, dado o alto custo dos produtos de perfumaria e cosméticos e o baixo capital de giro de que as empresas dispunham (FREIRE, 2002). Seguindo o exemplo da empresa americana Avon, a Natura optou em 1974 pela estratégia de vendas por meio do consultor de negócio.

O início dos anos 90 representou para o setor de franquias de perfuraria e cosméticos um período de reestruturação com enxugamento das redes de franquias, redução de custos e margens de lucro, modernização tecnológica, aumento da capacidade produtiva entre outras mudanças. Apesar de nos anos 80 ter havido uma rápida expansão do setor, essa havia sido pouco planejada e com um sistema de controle ineficiente. Portanto, a reestruturação, dada a abertura da economia brasileira, foi essencial para manter a competitividade das empresas nacionais ante as concorrentes internacionais do setor de perfumaria e cosméticos. Atualmente o mercado de franquias de perfumaria e cosmético no Brasil é constituído por cerca de 5.100 unidades franqueadas em 19 redes de franquias filiadas à ABF – Associação Brasileira de Franchising (ABF, 2005).

Atuação de O Boticário no Brasil

Em março de 1977, Miguel Krigsner e mais três sócios fundaram a Hudson José Botica Comercial Farmacêutica Ltda, inicialmente funcionando como uma farmácia de manipulação em Curitiba/PR.

As restrições às importações mantinham a concorrência baixa no mercado nacional e isso favoreceu o crescimento de O Boticário nos anos iniciais de sua existência, favorecendo a implantação, em 1979, de uma filial no aeroporto Afonso Pena, situado na região metropolitana de Curitiba. Em pouco tempo o número de interessados em comercializar os produtos O Boticário cresceu rapidamente. Iniciou-se então, em 1980, o processo de adoção do franchising como meio de expansão da rede, culminando em, 1982, na construção de sua primeira fábrica de produtos de cosméticos, antes restrita aos pequenos laboratórios de manipulação.

Dando continuidade ao plano de expansão da rede e de uma maior produtividade na fábrica recém-inaugurada, iniciou-se, em 1984, a utilização de campanhas publicitárias em cadeia nacional. Entretanto, em 1989, o processo de crescimento do número de franqueados, em cerca de 300, aumentou o risco da divulgação feita pelos próprios franqueados prejudicar a credibilidade da marca e romper o padrão do negócio. Assim, O Boticário passou por uma reestruturação, com a implantação de novos critérios de qualidade e de seleção de franqueados. As campanhas publicitárias tiveram um novo direcionamento, foram direcionadas a revistas femininas de circulação nacional que davam status ao produto e permitiam que se veiculasse uma comunicação padronizada. Quanto à expansão da rede de franquias, estabeleceu-se que seriam abertas novas lojas em localidades distantes dos grandes centros, visando a atender novas localidades e limitando a concorrência entre franqueados O Boticário nas grandes cidades.

Nos anos 2000, assistiu-se a um crescimento acentuado do mercado brasileiro de cosméticos, com um aumento anual médio de 8,2% nos últimos cinco anos, partindo de um faturamento líquido em 2000 de R$ 6,6 bi a R$ 12,9 bi em 2004 (ABIHPEC, 2005).

Com sua estrutura atual, O Boticário consegue gerar cerca de 12 mil postos de trabalhos diretos e indiretos, contando com 1.500 funcionários em sua unidade industrial e escritório central, possuindo uma rede de 2.321 lojas, sendo essas 66 no exterior (Portugal, México, Bolívia, Paraguai, Peru, Uruguai, Japão e EUA) e 920 pontos de venda internacionais (Portugal, México, Bolívia, Paraguai, Peru, Uruguai, Japão, EUA, Arábia Saudita, Emirados Árabes, Duty Free Brasil, Moçambique, Austrália, Jordânia, Malásia, Taiwan, El Salvador, Nicarágua e Angola).

Atuação do O Boticário em mercados internacionais

Em abril do ano de 2004, o alemão Klaus B. Zensen iniciou o primeiro contato com O Boticário a fim de estabelecer uma parceria comercial na cidade americana de Newark, no Estado de Nova Jérsei, a cerca de 30 minutos de Nova Iorque. Tendo vivido no Brasil por cerca de 10 anos e reconhecendo a qualidade dos produtos O Boticário, além de contar com relacionamentos com uma franqueada há 18 anos em Salvador/BA, o empresário alemão decidiu tomar adiante o plano de estabelecer nos EUA a primeira loja O Boticário.

A afirmativa da matriz foi positiva, permitindo que fosse adiante o planejamento com a loja americana, entretanto foi estabelecida a condição de que não se trataria de uma relação de franquia, mas de uma loja exclusiva de produtos O Boticário. A proposta foi aceita pelo pretendente à abertura da loja americana e colocaram-se em prática as ações necessárias para sua concretização. Atualmente Zensen conta com uma loja na cidade de Newark e 30 pontos de venda entre os Estados de Nova Jérsei e Nova Iorque.

Diferentemente de sua atuação no Brasil, através de concessões de franquias, a loja americana passou a atuar, como já dito, como uma loja exclusiva de produtos O Boticário. Os benefícios nessa relação, configuraram-se em uma maior independência nas decisões por parte do proprietário dessa loja, sejam quanto ao planejamento de marketing, financeiro e gerencial, como da ausência da necessidade de contribuições de taxas adicionais pagas pelos franqueados.

Entre tantas outras opções de se estabelecer um negócio, a iniciativa em optar pelos produtos O Boticário veio do reconhecimento da alta qualidade presente nos mesmos e do baixo custo em relação aos produtos concorrentes vendidos no mercado norte-americano.

As pretensões iniciais com a implantação da loja em solo americano tinham como público-alvo os brasileiros e seus descendentes residentes na região de Nova Jérsei, devido ao grande contingente de brasileiros que ali vivem, adicionado ao fato de OBoticário, ser uma das marcas de cosméticos de maior reconhecimento no Brasil.

As dificuldades enfrentadas nos EUA para o estabelecimento dessa loja O Boticário vêm, principalmente, das barreiras legais estabelecidas pelo governo e, num maior grau, das regras instituídas pela FDA (Ministério da Saúde), quanto ao estabelecimento de rigorosos e dispendiosos testes clínicos nos produtos. A dificuldade de registro de marca dos produtos também se constitui como um obstáculo à sua comercialização. Essas limitações impostas acabam reduzindo o número de produtos a serem comercializados pela loja, de um total de 550 para 100 no mercado americano.

Logo no primeiro ano de atividade da Beleza Inc., razão social da loja americana de produtos O Boticário, foi estabelecido um plano de expansão, com a abertura de dois quiosques em shoppings centers. Um deles em uma área com consumidores sem laços com brasileiros, este não conseguiu atingir o break-even nos três meses que sucederam. O outro em uma área em que 40% dos consumidores eram brasileiros, mesmo tendo atingido o breakeven operacional nos três meses posteriores, foi decidido fechar esses dois quiosques e estabeleceuse um novo modelo de vendas, através de entregas ao pequeno varejo, contando atualmente com 30 pontos de vendas nos Estados de Nova Jérsei e Nova Iorque, com a expectativa de abrir entre uma a duas lojas em 2006.

A parceria com a matriz O Boticário tende a fortalecer o laço dos consumidores no mercado americano, através de subsídios para a confecção de outdoors e veiculação de comerciais, através da TV Globo Internacional. Entre americanos que conhecem o Brasil, a aceitação é maior, a imagem de alegria, bom humor, criatividade e do exótico é transmitida aos produtos brasileiros.

Algumas limitações são encontradas quando se trata da logística, a matriz estabelecida em Curitiba/PR e em algumas situações há demora na entrega dos pedidos realizados, entretanto, há uma compreensão por parte da loja americana quanto aos trâmites de transporte e de fiscalização que são impostos a essas importações pelo governo norte-americano. O ciclo empreendido inicia-se através do transporte marítimo, entretanto em determinadas situações, quando há urgência, implementa-se o transporte aéreo, assando posteriormente pela alfândega e, finalmente, o transportador local faz a entrega da mercadoria à loja americana.

 A loja que é composta por cinco funcionários, sendo quatro brasileiras e uma colombiana, reconhece que alguns passos precisam ser vencidos quanto ao treinamento e capacitação de seus funcionários. A barreira da língua inglesa constitui-se um das principais complicações, devido ao fato que apenas três de suas funcionárias são fluentes no idioma inglês, as outras duas funcionárias possuem afinidade no trato com brasileiros e latinos, entretanto o ideal seria que ambas dominassem tanto o inglês para tratamento do público não-brasileiro como do português para o público brasileiro. O treinamento que é fornecido é proveniente de gravações em DVD’s, fornecidos pela matriz, e adicionalmente conta com a ajuda de um relacionamento profissional que possui com uma franqueada, O Boticário em Salvador/BA. A inexistência de um treinamento formal acarreta dúvidas sobre os produtos pelas funcionárias.

 Conclusão

 O início da internacionalização de O Boticário nos anos 80 configurava-se de forma passiva respondendo apenas a pedidos espontâneos vindos do exterior. A primeira loja em Portugal foi aberta por sócios de uma franquia máster no Brasil, em conjunto com parentes sediados em Portugal.

 Apesar dos inúmeros pedidos de interessados em abrir lojas de O Boticário no exterior, nesse momento, a direção da empresa priorizava que o franqueado externo conhecesse a empresa de perto e fosse de confiança da empresa. Essa particularidade corrobora a proposição de que no Brasil as networks empresariais e pessoais podem funcionar como mediadoras do processo de internacionalização, reduzindo o risco percebido em operar no exterior. Confirma também a falta de uma estratégia deliberada de internacionalização por parte de O Boticário (ROCHA e FREIRE, 2002).

 No caso da entrada no mercado norte-americano não foi diferente. A pessoa interessada em comercializar os produtos O Boticário nas proximidades de Nova Iorque é que  procurou a empresa e apresentou a proposta. A loja foi implantada com o apoio da empresa no Brasil, que fez investimentos de marketing, mas não houve uma estratégia clara de adaptação dos produtos ao consumidor norte-americano, como tradução dos rótulos para o inglês, treinamento dos funcionários da loja para adaptação ao padrão do país, nem mesmo houve preocupação se as funcionárias tinham a língua inglesa fluente.

 A aliança estratégica no caso de O Boticário em Nova Iorque foi claramente uma  aliança para a redução da incerteza. Para o lado do parceiro internacional, reduzir a incerteza e o risco de investir sozinho e sem nenhum apoio e comercializar produtos novos no mercado americano e para o lado de O Boticário diminuir os ricos das dificuldades enfrentadas nos EUA para a comercialização de produtos relacionados à saúde, essas dificuldades vem principalmente das barreiras legais estabelecidas pelo governo e num maior grau, das regras instituídas pela FDA (Food and Drugs Administration), quanto ao estabelecimento de rigorosos e dispendiosos testes clínicos nos produtos. No mercado dos EUA, é muito alto o product liability risk, isto é, é muito comum que empresas sejam processadas e obrigadas a indenizar consumidores por seus produtos mal adaptados. É especulação dos autores que O Boticário quer evitar responsabilidade caso tenha um processo de um consumidor por causa de um produto não adaptado ou mal produzido. E uma aliança estratégica estabelecendo claramente a autonomia e a individualidade de objetivos evita responsabilidades futuras que O Boticário possa ter.

 O comentário do parceiro de Nova Iorque deixa clara a iniciativa de autonomia e não responsabilização na atuação da loja norte-americana:

 “Acredito que tenho autonomia como aliado estratégico. No contrato, O Boticário claramente queria dizer que são duas companhias e que eles não têm nenhuma responsabilidade do que a Beleza Inc. faz.”

 Diferentemente de sua atuação no Brasil, através de concessões de franquias, a loja americana passou a atuar, como já dito, como uma loja exclusiva de produtos O Boticário. Os benefícios nessa relação configuraram-se em uma maior independência nas decisões por parte do proprietário dessa loja, sejam elas quanto ao planejamento de marketing, financeiro e gerencial, como da ausência da necessidade de contribuições de taxas adicionais pagas pelos franqueados.

 A autonomia estabelecida entre a loja americana e a matriz brasileira é bastante ampla, numa relação em que a loja americana recebe as sugestões e decide se é melhor ou não o seu enquadramento, deixando de ser algo impositivo, porém, em muitos casos, a necessidade de uma ação em conjunto acaba sendo de maior importância como no caso do apoio asestratégias de marketing.

 Das decisões mercadológicas, O Boticário não tem uma estratégia internacional claramente definida, fazendo adaptações para os mercados locais, nesse caso o proprietário da loja americana participa com suas sugestões referentes aos comportamentos e às necessidades dos consumidores-alvos que considera importantes.

As adaptações dos produtos, como tradução dos rótulos para o inglês, por exemplo, são necessárias, mas ainda não foram estabelecidas.

 A decisão sobre os preços é sugerida pelo O Boticário, por outro lado, a loja americana faz suas alterações de acordo com o comportamento observado do seu consumidor diante daquele preço, ficando a decisão final para o aliado externo. Decisões quanto à distribuição ocorrem sem muitos impedimentos. A proposta do plano de expansão inicial, em estabelecer dois quiosques em shoppings centers, foi enviada à matriz, após ocorreu sua aprovação e estabelecimento dos quiosques. Quando observada a não viabilidade do empreendimento, informou-se novamente à matriz, que concordou com a decisão. Quanto ao pequeno varejo, a autorização concedida à loja americana restringia-se aos estados de Nova Jérsei e Nova Iorque, devido ao fato, de possuir outros três distribuidores O Boticário nos EUA, evitando uma guerra entre eles.

 Veiga e Iglesias (2002), em seus estudos de empresas brasileiras que atuam no mercado norte americano, apontam que, para a maioria das empresas entrevistadas por eles, a realização de investimento direto no mercado americano foi condição essencial para a consolidação nesse mercado, dadas as condições de acesso e as características específicas do seu funcionamento que colocam desafios não triviais que requerem a

adoção de estratégias diferenciadas que envolvem adaptações de produtos e processos produtivos, certificações de produtos, operação de sistemas logísticos no mercado destino, incorporação de empresas nos EUA, estabelecimento de parcerias estáveis com atores locais e focagem da atuação da empresa. Essa tese está contraposição à atuação de O Boticário que, apesar de ter iniciado sua internacionalização na década de 1980, não tem até hoje uma estratégia de internacionalização definida, aproveitando oportunidades eventuais de investimento no exterior.

Esse comportamento “arredio” à internacionalização pode ser explicado pelo que foi detectado no Estudo da Fundação Dom Cabral (2002) sobre internacionalização de empresas brasileiras que têm no mercado interno seu principal vetor de crescimento, o que coloca seus planos de internacionalização num segundo plano. No caso de O Boticário essa posição se confirma, pois a empresa possui quase 50% do mercado de franquias de cosméticos e ainda apresenta potencial de crescimento.

 Embora os resultados do estudo não possam ser generalizados para além do caso estudado, acreditasse que maiores investigações sobre o tema permitam melhor entendimento de questões relacionadas à formação de alianças estratégicas e internacionalização de empresas brasileiras e também são necessárias maiores investigações sobre a gestão dessas alianças no exterior.

Pedro Lucas de Resende Melo – Doutor em Administração pela USP – Autor do livro: Franquias Brasileiras: Estratégia, Empreendedorismo, Inovação e Internacionalização

http://www.cengage.com.br/ls/franquias-brasileiras-estrategia-empreendedorismo-inovacao-e-internacionalizacao/